Curitiba vira “Vale do Silício” cervejeiro

Microcervejarias da capital aproveitaram troca de experiências e interesse pela bebida artesanal para conquistar repercussão nacional

Reconhecida hoje como um celeiro de startups que recorrem à tecnologia para lançar novas plataformas e serviços inovadores, Curitiba também tem se firmado como o reduto de um grupo de entusiastas que caminha na direção contrária, se valendo de conhecimentos milenares e receitas passadas de geração em geração para transformar a paixão pela cerveja artesanal em profissão. Aqui, cozinhas e garagens fazem as vezes de laboratórios e incubadoras, enquanto familiares e amigos assumem o papel de “mentores”, com a responsabilidade de “testar” o produto final e analisar se ele está pronto para o mercado.

Segundo a Associação das Microcervejarias do Paraná (Procerva), das 34 empresas do ramo no estado, 25 estão localizadas na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), sendo que 16 estão sediadas na capital – o número pode ser maior, visto que nem todas são filiadas à entidade. Assim como o boom dos pequenos negócios de tecnologia, o fortalecimento da “nova geração” dos cervejeiros artesanais é recente, remontando ao fim da década passada. Similaridades entre os ecossistemas de startups e de microcervejarias da capital, inclusive, não faltam – principalmente no que se refere à troca de experiências, compartilhamento de espaços e forte ligação entre os seus membros.

Na grande maioria, trata-se de cervejeiros caseiros que começaram a produzir por hobby e, ao “acertar a mão”, decidiram investir no negócio próprio. Caso do fundador da Associação dos Cervejeiros Artesanais Paranaenses (Acerva-PR) e sócio da Way Beer, Alessandro Oliveira. A criação da associação, em 2010, e o início dos trabalhos da cervejaria Bodebrown, em 2009, que passou a vender os insumos para as bebidas e dar aulas de como produzir a cerveja em casa, estão entre os acontecimentos que ajudaram a sedimentar o caminho para os novos empreendedores.

“Conseguimos alguém para importar os insumos e tínhamos espaço para montar uma escola. E assim conseguimos formar um grande número de cervejeiros caseiros na cidade, que ao mesmo tempo são formadores de opinião” relata Oliveira. A estimativa de Samuel Cavalcanti, fundador da Bodebrown, é que 2,5 mil pessoas tenham passado pela escola da cervejaria desde então – o que também fez surgir uma nova demanda de consumidores.

Produção terceirizada facilita negócios

Uma das vantagens que facilita o surgimento de novas microcervejarias em Curitiba e região é o fato dos empreendedores não precisarem arcar com os custos de possuir uma fábrica própria. Em geral, a produção ocorre sob demanda e é centralizada em poucos locais – os tanques da Gauden Bier, em Santa Felicidade, que têm capacidade para produzir 120 mil litros por mês, estão entre os mais procurados. A Bodebrown e a Way Beer, de Curitiba, e a Anhangava, de Quatro Barras, estão entre as poucas microcervejarias com produção própria.

Outro ponto reforçado pelos empresários é a boa adesão dos curitibanos à cerveja artesanal. “É impressionante notar como desde o primeiro momento o público curitibano comprou a nossa briga. É uma ‘tribo’ que herdamos do rockabilly, dos carros antigos, que já eram consumidores da Diabólica (uma das cervejarias pioneiras da cidade)”, relata o co-fundador da Morada Cia Etílica, André Junqueira.

Apesar do boom recente, é consenso de que o ecossistema de microcervejarias em Curitiba e região ainda é incipiente e tem potencial para crescer. “Em cinco anos, ganhamos prêmios internacionais e o mundo lá fora reconheceu Curitiba. Podemos ser, para a cerveja artesanal, o que Bento Gonçalves é para o vinho”, afirma o fundador da Bodebrown, Samuel Cavalcanti.

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COPA DE 9 A 11 DE JUNHO EM CURITIBA
Curitiba será sede em junho da South Beer Cup, evento que reúne microcervejarias de toda a América Latina e contempla a avaliação das bebidas por uma banca de juízes.

UMA LUTA ANTIGA
Uma das principais reivindicações dos cervejeiros é a revisão da tributação que incide sobre as microcervejarias – na prática, não há distinção de obrigação fiscal entre as grandes empresas de bebidas e as que produzem em pequena escala. O fato de boa parte da matéria-prima ser importada é outro fator que pressiona os custos de produção, ainda mais em tempos de dólar a R$ 4. “Acredito que o setor poderia ter crescido muito mais não fossem as dificuldades que nos são impostas pela alta carga tributária, que em alguns casos chega a ser maior do que a das megacervejarias”, afirma o presidente da Procerva e fundador da Wensky Beer, de Araucária, Luciano Wengrzinski.

 

Fonte: Gazeta do Povo – Texto publicado na edição impressa de 18 de janeiro de 2016